A mais nova vencedora de "Rupaul’s Drag Race All Stars" começa exercendo seu legado com sete faixas inéditas em seu segundo álbum de estúdio, “One Stone”, para conquistar, assim, não somente àqueles que já são familiarizados com suas performances na televisão, mas a todos os amantes do country. E de música. E de comédia. E de arte. E de Drag Queen comediante incorporando sua arte na música country. É, no mínimo, curioso de se acompanhar, porém igualmente divertido e empolgante.
Não é de hoje que o cenário Drag vem ocupando importante espaço na cultura popular mundo afora, seja na televisão, no cinema ou na música. Se aqui no Brasil essa popularização está chegando somente agora, em países estrangeiros como Grécia e Japão, que têm seus representantes como pioneiros, e até mesmo nos Estados Unidos, a arte se fortalece e amadurece cada vez mais, além de estarem continuamente inspirando novas gerações a se expressarem da forma que se sentirem mais confortáveis. Não se enganem: ainda é extremamente difícil ser LGBT+ e dar a cara a tapa em qualquer lugar do mundo. Entretanto, ver um gênero como o country, extremamente tradicional ao povo americano, explorado em um álbum de uma Drag Queen, alcançando o primeiro lugar no iTunes US, é de se encher o peito de esperanças de um mundo com mais aceitação e respeito.
Esse mérito, possibilitado por grandes personalidades históricas que a abriram portas, agora é carregado por Trixie Mattel. Para quem ainda não tem familiaridade com o nome, pode ficar um pouco difícil fugir dele nos próximos tempos, já que a Drag foi a última vencedora de um dos realities mais comentados da atualidade, “Rupaul’s Drag Race All Stars”, e seu próprio programa na televisão, “The Trixie & Katya Show”, continua rendendo uma boa audiência. Trixie é conhecida por sua veia cômica, potencializada por um visual sempre muito exagerado, com perucas volumosas e maquiagem carregada, aos moldes de uma boneca Barbie – que nada mais é do que uma crítica aos padrões impostos às mulheres sobre como devem sempre se portar. E ainda assim, a Drag encontrou espaço para externalizar seu outro viés artístico: o da música country.
De modo geral, pode-se dizer que ouvir o One Stone é como estar assistindo a um musical, que tem como protagonista um jovem garoto de numa cidadezinha do interior dos Estados Unidos, que decide embarcar na jornada de viver na cidade grande para alcançar seu sonho de ser um famoso cantor. E talvez seja essa exatamente a história de Brian Firkus, que dá vida a personagem de Trixie Mattel, o que deixa tudo muito mais pessoal e interessante do ponto de vista narrativo do álbum. Todas as faixas, cantadas com a voz natural masculina de Firkus, refletem no processo criativo de Mattel: um não existe sem o outro, e a música os une como um só. Não cabe ali saber quem está presente, pois música não tem gênero, não tem forma, é apenas arte, e isso é muito bacana de se perceber, pois acaba deixando de ser apenas mais um produto comercial, mas uma nova forma de expressão do(s) eu(s).
O tato de Trixie para a
composição das músicas é extremamente notável. É relativamente simples, embalado
por poucos instrumentos, como sua já característica auto-harpa, mas há um
cuidado tão perceptível em abordar determinados assuntos em suas canções que a conexão
com quem as está ouvindo se torna automática. “Moving Parts” é linda do começo
ao fim, faz alusão às nossas emoções humanas com partes de bonecos, minha
favorita do álbum. Há de se fazer também menção a “Little Sister”, atribuída a
sua irmã mais nova, a quem conta que ela não precisa seguir as imposições de
uma cidade conservadora, que pode ser quem quiser mundo afora. E são por essas
temáticas que Trixie permeia: sonhos, esperanças, desilusões, alegrias,
aprendizados; tudo muito pessoal, de modo a promover alta identificação entre a
artista e os receptores de sua mensagem.
Eu não gosto do gênero. Não mesmo. Ou pelo menos não gostava até então. Vindo de alguém que torceu o nariz para o Younger Now e que fez piada com o Joanne, dizer que achei o One Stone especialmente delicioso significa muita coisa. Não é algo que ouvirei a todo momento, confesso, porque foge da receita musical a que estou acostumado, mas ignorar o potencial do álbum é um erro enorme, e não venho cometendo-o. Trixie Mattel é, definitivamente, alguém com muito potencial em ascensão, tanto no que diz respeito a seus vocais, a seu lirismo e à sua performance, e ao se deparar com qualquer uma de suas apresentações, fica muito difícil negar que ela entrega seu máximo com muita paixão. E se, ainda assim, você não gostar de seu humor, de seus lip syncs, ou de seu visual exagerado, pelo mas dê uma chance às suas músicas, garanto que valerá a pena.
Keep in Track: “Moving Parts”, “Break Your Heart”, “Wind Up Man”, “Little Sister”.
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