Em 1991 o Soundgarden teve um de
seus melhores trabalhos ofuscado pelo enorme sucesso de álbuns como Nevermind do Nirvana e Ten do Pearl Jam. Mais de vinte e cinco
anos depois, cá estamos para relembrar e dar a devida atenção a Badmotorfinger, um dos discos mais
importantes do grunge e incontestavelmente um dos maiores clássicos do rock
moderno.
A esta altura, todo mundo já está
careca de saber que o grunge teve sua explosão no início da década de noventa,
mas o que muita gente desconhece é que, para cada álbum bem-sucedido daquele
estilo, outros cinco, que passavam batidos, continham canções tão boas ou
melhores. Claro que existia espaço para todo mundo em Seattle, mas infelizmente
o mercado é mais complicado que isso. A maioria dos jovens daquela época preferiu
a simplicidade de “Come As You Are” do Nirvana às canções complexas do então
novo álbum do Soundgarden, isso gerou para a banda uma espécie de sucesso
atrasado e de certa forma limitado.
Com a facilidade que a internet
nos trouxe, Badmotorfinger recebeu um
pouco mais de atenção, mas ainda continua em segundo plano em relação ao
sucessor Superunknown. Hoje vamos dar
o reconhecimento que esse clássico de 1991 merece, não só pelo marco que ele
foi para o grunge, mas pela genialidade nele contida. Me acompanhe.
Como cerimônia é para poucos, “Rusty Cage” abre o disco te jogando em
um trem em movimento, acelerado pelo baixo do então novato Ben Shepherd, que é
um grande destaque, especialmente por ter sido mixado relativamente alto na
faixa. A outra engrenagem principal da canção é a bateria extremamente dinâmica
de Matt Cameron, que fez um trabalho magnífico, especialmente na parte final,
em que o instrumental troca repentinamente de andamento. Realmente é uma
experiência convidativa.
“Outshined” cadencia um pouco mais as coisas com seu tempo quebrado
e seu riff viciante. Chris entoa uma das letras favoritas dos fãs e, em certos
momentos, parece fazer um dueto consigo mesmo, resultado das múltiplas linhas
de vocal. Como toda boa música de trabalho, não há muita complexidade no
instrumental, exceto no breakdown e
no último refrão, que encerra a canção em seu ápice.
Estapeando a cara da indústria
fonográfica, “Slaves & Bulldozers”
é onde Chris Cornell explora sua voz e se desdobra em cima do instrumental
arrastado da canção, usando toda sua extensão vocal para alcançar notas
incrivelmente altas – algumas das mais altas da carreira – ainda as combinando
com gritos e vocais mais calmos. De fato, um show à parte. A base da faixa é
uma das coisas mais poderosas já feitas no rock, desde o baixo imponente,
passando pela guitarra que beira o bizarro, até a bateria absurdamente dinâmica
e cheia de viradas únicas. Blues, heavy metal e hard rock, tudo se encontra
aqui.
Polêmica já no título, “Jesus Christ Pose” não foi lead single
por acaso: a canção é extremamente marcante e carrega uma letra incrivelmente
boa. Chris novamente não poupa esforços nos vocais e se entrega por inteiro em
versos fortes e bem desafiadores. Ben e Matt preencheram a faixa com uma base
rápida e caótica, onde baixo e bateria “conversam” entre si e mantêm a canção
no topo o tempo inteiro, fazendo desse um dos instrumentais mais destruidores e
complexos da banda.
Dando um pulinho nas raízes punks
da banda, “Face Pollution” é a
primeira das duas faixas mais cômicas do álbum e foi a última composição da
banda a revisitar esse estilo curto e minimalista. Além dos vocais e berros
de Chris, sem dúvidas, a presença do trompete é a melhor parte e o maior
destaque da faixa, intensificando ainda mais o clima debochado da mesma.
Uma filler de muito respeito, “Somewhere”
é mais morna e cadenciada que as anteriores, apostando em algo semelhante a
“Outshined”, excluindo o lado comercial. A faixa se mantém bem tímida até o
último refrão, mas logo após o mesmo, ela entra em um encerramento um tanto
psicodélico, fortemente baseado no baixo de Ben, incluindo até mesmo um false fade.
A épica “Searching With My Good Eye Closed” abre o lado B trazendo uma
viagem bem distante do normal, pois de alguma forma, a banda conseguiu imprimir
na faixa, uma atmosfera que parece te colocar no ar, usando como propulsor o
riff principal da canção. Matt é mais uma vez um grande destaque, preenchendo
extremamente bem a base da música com suas viradas cheias de rapidez,
contrastando com o tempo lento da música. Uma verdadeira aula de como não
deixar uma faixa de seis minutos e meio soar cansativa.
O disco explode novamente com “Room A Thousand Years Wide”, que foi
lançada como single no ano anterior, tendo sido a primeira canção da banda com
Bem Shepherd no baixo. Aqui, ela aparece regravada, com mais peso e melhor
produzida que na versão do single. A única letra de Kim Thayil no disco, é
também uma das mais criativas e também uma das mais misteriosas, já que o
próprio Kim nunca revelou sobre o que de fato ele escreveu. O tempo 6/4, como
dito pela banda, não foi proposital, mas uma criação inconsciente de Matt.
“Mind Riot” parece um grande desabafo sarcástico de Chris, contendo
até algumas referências ao transtorno sentido por ele após a morte de seu amigo
Andrew Wood, saudoso frontman do Mother Love Bone. A canção traz uma bateria
pouco usual e tem sua base principal no baixo, que dá certo balanço à levada
morna da música. Por sugestão, ainda que irônica, de Jeff Ament do Pearl Jam, a
banda afinou todos os instrumentos em E, criando assim a sonoridade esquisita
do instrumental.
Animando as coisas uma última vez,
“Drawing Flies” joga o ouvinte
diretamente no olho da tempestade, em dois minutos e meio de uma levada caótica
e uma letra cômica e. De todas as canções do disco, provavelmente é a menos
lembrada, até mesmo pelos fãs, mas ainda tem seu charme próprio, especialmente
por trazer algo bem diferente das demais e dar um último gostinho da sonoridade inicial da banda.
O hino injustiçado “Holy Water” retorna ao ritmo cadenciado
e rapidamente se mostra uma das melhores faixas do álbum, com Matt dando um
verdadeiro show na bateria, Kim fazendo um solo absurdo na guitarra, além do
ótimo riff principal, e Chris alternando muito bem entre os tons graves e
agudos de sua voz. É difícil de acreditar, mas a faixa foi bastante
negligenciada pela banda, bem pouco tocada nos shows e quase sempre esquecida
pelo público. Uma pena.
Por fim, temos a explosiva “New Damage”, que apresenta uma
composição incrivelmente bem construída, com tempo quebrado e uma levada
arrastada. Chris novamente brilha e, apesar da letra simples, os vocais são
muito marcantes e surpreendentes. O maior destaque fica mesmo com Kim, o
guitarrista brilha como em nenhum outro momento do álbum, dando todo o peso
necessário para que a faixa encerre o álbum no topo.
Representando uma enorme explosão
criativa da banda, Badmotorfinger é
um grande apanhado de canções memoráveis, com letras geniais e instrumentais
muito bem construídos, que tornam o álbum um dos maiores clássicos da história
do rock moderno. Terry Date assinou a produção de outros grandes álbuns, mas jamais
repetiu o ótimo trabalho que fez em sua última colaboração com o Soundgarden.
Faça um favor a si mesmo e ouça
essa obra prima, em alto volume e com bastante atenção aos mínimos detalhes.
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