Com o sucesso de seus últimos álbuns, Taylor Swift se tornou um dos maiores fenômenos do pop dos últimos tempos. Apesar de ter dado uma sumida durante essa quarentena, na última semana a cantora parou a Internet com o lançamento surpresa de seu novo álbum, Folklore, que promete renovar sua imagem na Indústria e, certamente, marcar um passo corajoso, necessário e revolucionário para sua carreira.
A cantora, que começou ainda muito jovem no country, sempre soube o caminho certo para levar sua carreira. Em seus três primeiros discos, ela conquistou o mundo com o conto de fadas country de composições muito genuínas. Depois, sua transição para o pop aconteceu de forma gradual, madura, comercial e autêntica. Mas, como sabemos, essa é uma indústria difícil que coloca data de validade em tudo. E, como Taylor disse em seu documentário, Miss Americana, "essa [seu último álbum, Lover] é provavelmente uma das minhas últimas oportunidades de agarrar esse tipo de sucesso". Era nítido que, por mais talentosa que a cantora fosse, ela precisava de um ar fresco.
O sucesso comercial já havia passado de seu ápice, sua imagem estava começando a enfrentar alguns conflitos e, por mais que Taylor tenha uma base fiel de fãs, era arriscado continuar com o pop radiofônico para seus próximos lançamentos, mesmo com uma megaprodução ou uma estratégica megalomaníaca que sempre a acompanhou tão bem em todos seus trabalhos. E, mesmo assim, ninguém imaginaria que um álbum com a espontaneidade e a simplicidade de Folklore chegaria na hora certa, e muito menos que ele seria melhor do que o que poderíamos esperar dela.
Neste novo trabalho, a cantora surpreendeu a todos. Taylor desconstruiu o pop extravagante de 1989 para dar luz a canções poéticas, que viajam entre o folk e americana de forma pura e intimista. Taylor transformou toda a fúria do Reputation em um storytelling refinado e delicado. E, por fim, Taylor descoloriu a era Lover para uma paleta monocromática que desbrava uma gama de sensibilidade jamais explorada tão bem pela cantora antes. É por esse e muitos outros motivos que afirmo com convicção que estamos falando aqui do melhor álbum dela até hoje.
Iniciado em abril e finalizado em julho do mesmo ano, Folklore foi gravado na casa da cantora em Los Angeles, com composição e produção remota de Aaron Dessner, do The National, e Jack Antonoff, o parceiro de longa data da cantora, também conhecido por seus admiráveis trabalhos com Lorde e Lana Del Rey. O resultado disso se deu em músicas que despertam um olhar imaginativo e criam laços afetivos vívidos e reconfortantes. Seu dom inigualável de contar histórias reaparece por completo e faz uso de pianos firmes, guitarras dramáticas, violoncelos reluzentes, saxofones introvertidos e sons orquestrais revigorantes para dar um brilho ao álbum ainda mais especial com sua ambientação cinemática tão admirável. É impossível não se encantar. .
Com uma vibe relaxante e cheia de reflexões, a faixa de abertura “The 1” já dá partida no disco com o verso “I'm doing good, I'm on some new shit”, já nos mostrando que o álbum poderia ser mais excêntrico e singular. Dito e feito. A faixa seguinte, “Cardigan” floresce de forma gloriosa ao apresentar uma atmosfera nostálgica e elegante, além de sua composição intensa e romântica tão rica em detalhes que por muitos já pode ser considerada uma das melhores da discografia de Taylor. “And when I felt like I was an old cardigan / Under someone's bed / You put me on and said I was your favorite”, canta ela no refrão.
Em seguida, temos “The Last Great American Dynasty”, uma faixa mais despojada que destaca novamente o talento de Taylor como uma verdadeira contadora de histórias. A canção conta a história de Rebekah Harkness, a compositora, escultora, patrona da dança e filantropa americana, fundadora do Harkness Ballet, e que morava na casa de Rhode Island, conhecida como Holiday House, comprada por Taylor em 2013. Como narrado na música, Rebekah tinha uma reputação muito comentada pelos tablóides devido às suas festas, divórcios e outras polêmicas. E é, nesse triunfo de storytelling, que Taylor, em um momento da canção, faz um paralelo com Rebekah devido às semelhantes exposições na mídia de ambas as artistas. “Holiday House sat quietly on that beach / Free of women with madness, their men and bad habits / And then it was bought by me”, revela ela durante a bridge.
Com o decorrer do álbum, a cantora traz performances melancólicas extremamente memoráveis. É o caso de “Exile”, parceria com Bon Iver. A música marca um dos momentos mais grandiosos do disco. O piano intenso, a voz grave de Justin Vernon e o toque rústico, mas ao mesmo tempo harmonioso, tecem juntos um cenário devastador e pungente. Tal sentimento se estende à “My Tears Ricochet”, que foi inteiramente escrita por Taylor. A canção traz uma emoção delicada muito particular e ilustra um processo doloroso de cura ainda em desenvolvimento. Uma preciosidade para o álbum.
Continuando, Folklore nos concebe os primeiros traços de um amor radiante e ingênuo, começando com o dream pop experimental e crescente de “Mirrorball” e seguindo para “Seven”, que surpreende com a mistura encantadora e celestial entre violão e violino. Nessa última, com uma construção divina, Taylor exala influências da música alternativa, como Phoebe Bridgers, Lana Del Rey e Sufjan Stevens. Certamente, uma das melhores do disco.
Mais tarde, Taylor nos envolve, de forma muito apaixonada, em um amor que foi se construindo com os anos: “Isn't it just so pretty to think / All along there was some / Invisible string / Tying you to me?”. Com essa mesma vibe solar abafada, “August” narra um amor intenso, porém repentino e fadado ao término: “I can see us tangled in bedsheets/August slipped away like a bottle of wine/Because you were never mine”.
Esse amor repentino é explicado mais tarde em “Illicit Affairs”, que tem uma construção parecida com “Last Kiss” e “Dear John”, e narra um amor proibido entre um triângulo amoroso, novamente com uma história rica em detalhes e uma entrega emocionante de Taylor.
Aliás, ao ouvir “Betty”, a faixa mais raíz e country do disco, você entende um pouco mais sobre o triângulo amoroso que costura grande parte da narrativa. A relação seria supostamente entre três personagens: Betty, James e uma terceira figura feminina. “Betty” mostra a perspectiva de James, enquanto “Cardigan” mostra o olhar de Betty e “August” seria supostamente narrada por essa terceira pessoa na relação. Parte da trama é explicada pelos seguintes versos:
- “Chase two girls, lose the one” (Persegue duas garotas, e perde a certa) - “Cardigan”, ponto de vista da Betty.
- “Remember when I pulled up and said ‘Get in the car’” (Você se lembra de quando eu passei aí e disse ‘Entre no carro’) - “August”, ponto de vista da terceira personagem.
- “She said ‘James, get in, let's drive’” (Ela disse ‘James, entre, vamos dirigir’) - “Betty”, ponto de vista do James.
Toda essa trama entre os personagens acabou gerando faixas pesadas em sentimento. Preparem os lencinhos, porque a gente ama uma choradeira. Sim, estou falando da assombrosa atmosfera de “This Is Me Trying”, outro grande destaque do álbum. Sua composição crua e honesta explora uma abstração sentimental e reflexiva que é surreal. Esse desolar se transforma depois nas chamas ácidas e combativas de “Mad Woman”, que mostra um eu-lírico chegando ao ápice de suas emoções: “Every time you call me crazy, I get more crazy / What about that? / And when you say I seem angry, I get more angry”, canta ela. Taylor já cantou sobre se sentir enfurecida antes, tanto em “Look What You Made Me Do”, “Blank Space” e “Bad Blood”. Mas, dessa vez, a raiva parece sair como libertação.
E, apesar de não serem as preferidas, duas faixas surpreendem pelo seu espírito experimental e catártico. “Epiphany” é uma delas. Tanto liricamente quanto musicalmente, a canção é uma experiência de quebrar o coração. Ela faz referências à perda de um ente querido após uma longa batalha, podendo ter ligação com essa época caótica e triste de pandemia. Outra que não é grande destaque, mas ainda assim é muito especial, é “Peace”, marcada por uma composição poética e execução bem sutil. Ela fala sobre essa sensação de ter uma pessoa especial escapando de você, mesmo que você ainda a ame. Os riffs e a composição são os grandes êxitos aqui. “Would it be enough if I could never give you peace?”, canta ela.
Quando você acha que já viu o melhor que Taylor tinha para oferecer, chega a última faixa, “Hoax”, para te surpreender e fechar Folklore com chave de ouro. Em um cenário tão devastador que chega a ser quase pós-apocalíptico, a cantora apresenta versos crus banhados por vulnerabilidade: “Your faithless love's the only hoax I believe in / Don't want no other shade of blue but you”, canta Taylor no refrão. É um desfecho executado com maestria e perfeito para encerrar o ciclo de melancolia que envolve o álbum. Não é um final feliz ou positivo, como Taylor tem apresentado nos últimos trabalhos. É algo extremamente sombrio e honesto.
Despindo-se de quaisquer grandes planos e produções que envolveram seus últimos lançamentos, Taylor nos apresenta Folklore como uma forma de resgatar aquela simplicidade que nos conectou à Taylor Swift em seu começo de carreira, porém agora com um material marcado por evolução e confiança. Entre tragédias e suspiros de amor, Taylor reconquista seu trono de grande contadora de histórias da nossa geração e entrega um trabalho muito sensível e original. Não é à toa que o álbum já bateu o recorde de maior estreia feminina no Spotify e já está com grandes previsões de debutar em #1 na parada Billboard 200. E esse é só o começo!
uau! me envolvi bastante nesse review, acho que descreve o folklore perfeitamente. com certeza, o melhor review que li desse álbum.
ResponderExcluirO review transcreveu exatamente as sensações que o álbum me transmitiu, escutar Folklore é uma experiência maravilhosa, que ao ouvi-lo é impossível não ter um sentimento nostálgico, melancólico e eufórico, como uma fã de Lana Del Rey sempre torci para Taylor flertar mais com esse lado alternativo, e assim como eu imaginava, o resultado deu muito certo, exatamente como o review articulou perfeitamente.
ResponderExcluir