O festival Primavera Sound São Paulo finalmente aconteceu no Distrito Anhembi com shows inesquecíveis depois de 5 dias de shows espalhados pela capital paulista. O festival catalão faz estreia em terras latino-americanas com a primeira edição brasileira, que será seguida das versões argentina e chilena no próximo final de semana com uma escalação de artistas bem similar, inclusive com os brasileiros do Terno Rei, Badsista e Boogarins.
Nos mesmos moldes da versão original, que acontece em Barcelona desde 2001, o Primavera Sound veio ao Brasil com seu formato mais recente, apostando em shows menores durante a semana e um final de semana daqueles de entrar para a história. Com shows espalhados pelo Cine Jóia, Audio e Auditório do próprio Anhembi, o Primavera na Cidade contou com grandes shows de Bad Gyal, Urias, Liniker, Céu, Ratos de Porão, FBC, Tuyo, Ana Frango Elétrico, Boogarins, entre outros nomes, na sua maioria, nacionais.
Para ter acesso aos shows, o público do festival que comprou ingresso para os dois dias do final de semana precisou retirar os ingressos pela ticketeira oficial do evento semanas antes dos shows, o que, no final, fez com que muitas pessoas desistissem de ir ao evento de última hora e morrer com o ingresso. Além disso, o festival ainda abriu venda de uma parcela pequena de ingressos para esse shows por fora, porém com um preço um tanto quanto salgado. Esses dois fatores resultou em shows longe de estarem lotados, mas que com muitas pessoas querendo conhecer artistas novos, marca registrada da curadoria do festival.
São Paulo amanheceu no último sábado, 5 de novembro, com um clima de outono, mas nada podia conter fãs do mundo inteiro de aproveitar esse festival de vibe primaveril. Os primeiros minutos de abertura do festival serviu para matar a curiosidade do público de como o festival foi projetado. A área do Distrito de Anhembi é grande, porém estreita e comprida (podemos dizer que o mapa parece o Chile, só que na horizontal).
A escolha do local desafiou a produção do evento a criar um bom fluxo de pessoas na transição de palcos, o que ocorreu perfeitamente bem e sem criar gargalos - para isso, o festival fechou parte da avenida que dá acesso ao local para que o público tivesse mais espaço para se movimentar. Outro ponto que só foi possível graças a estrutura do Distrito Anhembi foi um público encantado em utilizar banheiros de verdade. O festival ainda colocou banheiros químicos nas proximidades do Palco Becks para suprir a demanda e resultou num festival com poucas filas para o alívio geral.
A parte ingrata do festival ficou na localização do Palco Becks, que originalmente era um estacionamento repleto de árvores. A produção até disponibilizou telões que transmitiam os shows por toda a extensão da área, mas convenhamos que não é a mesma coisa. Se fosse para ver de longe, o público veria o show de casa pela transmissão que ocorreu via TikTok. Outro ponto que não agradou foi a área pequena para o Palco Primavera. A demanda para o show da Lorde foi tão grande que não cabia mais gente por ali (e sem contar nas pessoas sentadas na grama sintética que ficava no fundo do palco, atrapalhando o fluxo de quem queria passar para o outro lado do evento).
Pelo menos os outros 3 palcos deram muito certo. O Palco Elo foi montado de frente para uma arquibancada. Apesar de não caber muita gente na pista, as arquibancadas puderam ser acessadas pelo público, que pode ver o show com uma ótima visão, e ainda sentadas, assim como ocorreu com o os shows do Palco Barcelona (Auditório do Anhembi). O Palco Bits foi construído dentro do Pavilhão de Exposições do Anhembi, também um lugar fechado, criando uma atmosfera que favoreceu os artistas e projeções do palco.
Se formos falar de acessibilidade, o festival acertou em cheio. O Distrito Anhembi é inteiramente asfaltado e, apesar de ter trechos com escadas no meio do deslocamento do público, o mesmo trajeto poderia ser feito por rampas. Além disso, os telões do palco principal contaram com intérpretes de libras no canto inferior direito. Só seria melhor se o mesmo ocorresse em todos os palcos com telões.
No quesito ativações de marcas, o festival não tinha muitas opções e não propuseram experiências tão enriquecedoras. As longas filas garantiam brindes, mas não tinham nada de mais para oferecer ao público (com exceção da cerveja oficial do festival, que transformava o seu look oferecendo manicure, maquiagem e cabelo diferentões).
Por fim, dentre muitos acertos, o festival teve dois erros evidentes. O menor deles foi a falta de cestos de lixo espalhados pelo evento. Apesar do Primavera Sound ter dado ao público um copo reutilizável na entrada, nem só de copo vive o homem e outros objetos que não encontraram o lixo correto acabaram jogados no chão.
Mas o maior pecado mesmo do festival ficou com a hora da saída. Shows com públicos consideráveis, como Beach House, Father John Misty, Caroline Polachek e Charli XCX acabaram tão tarde que não deu tempo do público pegar o metrô aberto, causando caos na hora de voltar para casa, seja pela dificuldade de pedir um carro por aplicativo, seja pelo transito do local.
Agora vamos falar do mais importante e o motivo que levou 55 mil pessoas a se reunirem no Primavera Sound nos dois dias de evento: os shows. Muitos dos artistas estrangeiros escalados vieram ao Brasil pela primeira vez, senão a primeira vez em pelo menos uns 5 anos. Isso fez com que tanto eles quanto o público quisessem muitos estar ali e dar tudo de si. O resultado foram shows muito acima da média desde as duas da tarde até duas da manhã. Os dois dias foram pra lá de intensos. Confira:
As irmãs Tasha & Tracie ficaram encarregadas de abrir o palco principal do primeiro Primavera Sound São Paulo. A performance começou com muitas falhas técnicas no som, mas que depois de duas músicas foram resolvidas. A dupla esquentou o público e o dia, conforme o Sol foi vagarosamente aparecendo enquanto cantavam seus raps provocativos e empoderados.
Badsista fez dois shows no sábado. O primeiro, no palco Bits, mais focado na fritação do público, e o segundo, um shows mais ao vivo no Palco Elo, mirando nas músicas do seu álbum Gueto Elegance. Nas duas ocasiões, ela soube agradar quem assistiu.
A talentosa Liniker apareceu como o segundo Sol de sábado, espalhando seu brilho por quem passava pelo Palco Primavera e esbanjando simpatia. Sua voz imponente e banda afiadíssima entregaram um espetáculo enérgico do início ao fim, com músicas de seu primeiro trabalho solo, Indigo Borboleta Anil, e ainda com direito a um medley de sucessos de seu antigo projeto, Liniker e os Caramelows.
Um dos momentos mais esperados da tarde de sábado ficaram a cargo da única e inconfundível Björk. A cantora islandesa fez seu show acompanhada da Orquestra de Cordas Bachiana Filarmônica com toda sua excentricidade e talento. Com pedido direito ao público para que não fossem feitos vídeos e fotos, em nome da experiência daquele momento, Björk cantou e se emocionou ao ver suas músicas eram cantadas palavra por palavra pelos seus fãs, agradecendo com um “Obrigada” ao fim de cada uma delas.
É um show que divide opiniões, assim como a obra da cantora, já que era possível ver muitos curiosos desistindo de ver o show inteiro saindo do palco em busca de algo mais que lhes fosse mais familiar. No entanto, é incontestável a posição de Björk como headliner num festival como o Primavera Sound.
E por falar em curiosos, Sevdaliza conquistou muitos com seu show espetacular, com direito a trechos traduzidos em português na sua maior música, “Human”, e ainda fez um DJ Set no meio de seu show. Ela também ficou responsável por um dos momentos mais fofos do dia, ao mostrar ao público que seu bebê estava no backstage e logo em seguida agradecer o público por permitir que ela fosse uma artista independente que sobrevivesse na indústria com fãs tão incríveis quanto aqueles e estavam a assistindo.
As surpresas não pararam por aí. Mitski fez uma das maiores apresentações do dia no Palco Primavera. Com a difícil missão de atrair o público e tocar no horário anterior ao Arctic Monkeys, a cantora demonstrou por A + B os motivos pelos quais seu show é imperdível. Realizando a proeza de colocar 17 músicas num show de uma hora, enquanto mostrava dominar passos de dança contemporânea, Mitski emocionou e foi emocionada ao se deparar com um público que sabia suas letras de cor e salteado. Mas podemos ser sinceros? Faltou “Love Me More” na setlist.
Era chegada a vez deles. Arctic Monkeys se apresentava pela primeira vez em um festival desde o lançamento do novo álbum, The Car. A vibe ainda continua introspectiva, mas com mais sal do que seu sucessor ajudaram os Monkeys a entregar um show espetacular, sem esquecer dos hits, como “Do I Wanna Know”, “505” e “Crying Lightning”.
Alex Turner, o frontman da banda, estava espetacular, interagindo bastante com a plateia, inclusive mandando beijinhos, e até mesmo irreconhecível, caso você tenha os visto no Lollapalooza Brasil de 2019, capaz até de te fazer esquecer da performance média daquela oportunidade. Em sua melhor forma, o Arctic Monkeys aprendeu a refinar seu novo som, dando a ele o destaque que merece em sua discografia.
A responsabilidade do encerramento da primeira noite do Primavera Sound São Paulo ficou para o Beach House. Apesar de um show com atmosfera introspectiva, não dando para ver muito do palco nem mesmo pelos telões pelo clima soturno, o duo toca no coração do público através das suas melodias intensas e projeções obscuras que passam ao fundo do palco. Não é um show óbvio, mas certamente tem seu valor caso você seja capaz de se conectar com eles.
No segundo dia, Jovem Dionísio deu início aos trabalhos no palco principal com um show cheio de piadinhas, bom humor e até batalha de dança entre seus integrantes. Como era de se esperar, o ponto alto da apresentação ficou para o final, com “Acorda Pedrinho”, que foi cantada por toda a extensão do Palco Becks.
Estreante no Brasil, Raveena mostrou em seu show seu R&B único e inconfundível. Boa parte da audiência sabia cantar suas canções junto com ela, o que a deixou evidentemente feliz. Fez uma ótima performance, foi para os braços da galera ao se sentir acolhida pelo calor do público.
E por falar em calor, as japonesas do CHAI esquentaram o Primavera Sound São Paulo com seu show nada óbvio. A mistura de post punk e j-pop as fizeram ser um ato único no festival, tendo direito a um DJ Set e cover de “Wannabe”, das Spice Girls. Com energia lá em cima, o quarteto, também estreante por aqui, se mostrou grato demais pela oportunidade de mostrar seu trabalho a um novo público, que pareceu ter comprado a ideia delas.
Responsável por atrair uma multidão no meio da tarde, o Terno Rei mostrou porque eles são uma das principais bandas da cena indie nacional. O quarteto mesclou seus dois últimos álbuns, Violeta e Gêmeos, e ainda encontrou um momento para quebrar o silêncio sobre seu posicionamento político. Sorte ainda que estávamos lá para ver esse momento.
O indie rock do Terno Rei deu espaço para Michelle Zauner e sua banda, Japanese Breakfast. A apresentação já começou com o pé na porta, entregando o seu hit mais bombado na segunda música, “Be Sweet”, colocando todo mundo para dançar entre as árvores. Maior parte das músicas saíram de seu disco mais recente, Jubilee, ainda que tivesse a performance ao vivo de “Glider”, feita especialmente para o vídeo game Sable.
As coisas foram ficando cada vez mais intensas naquele final de tarde quando Phoebe Bridgers, que estava inicialmente escalada para tocar no Lollapalooza Brasil deste ano, entrou no palco. A norte-americana já conquistou o público de início, com “Motion Sickness” e “Kyoto” na primeira parte do show. Visivelmente feliz de estar ali, Phoebe gritou mais do que o normal, passou o show todo sorridente e desceu duas vezes na plateia. A última delas foi no encerramento da performance, enquanto cantava a parte mais catártica de “I Know The End” com seus fãs na grade. Arrepiante só de lembrar.
Sem tempo nem de se recuperar da experiência de tirar o fôlego que foi Phoebe Bridgers, Jessie Ware já tornava o palco Becks em sua pista de dança. Com faixas de seu último álbum, What’s Your Pleasure?, em peso, a britânica teve o público na palma de sua mão a partir do momento em que pisou no palco. Contando com backing vocals que também serviam de dançarinos, Jessie voltou alguns passos de sua carreira com “Wildest Moments” e ainda nos lembrou do que está por vir com “Free Yourself”. Não era possível ver nem os fãs que estavam esperando Travis Scott da grade parados.
Enfim, era chegada a hora d’Ella! Lorde fez o primeiro show da The Solar Power Tour no Brasil com direto a toda estrutura que a turnê teve na gringa. O cenário estava lá, a banda estava lá, e o mais importante: seu público estava lá para viver mais uma experiência de mudar vidas. É inexplicável como Lorde consegue se conectar com seu público e as experiências de vida dele, que tem a mesma faixa de idade da artista. Isso faz com que cada letra, cada vírgula, cada grito de suas músicas seja cantando a plenos pulmões por seus fãs, que lotaram o Palco Primavera.
Visivelmente empolgada de estar de volta, Lorde ainda convidou Phoebe Bridgers de volta ao palco para cantar “Stoned At the Nial Salon”, já que Bridgers fez os backing vocals da faixa em estúdio. Outro momento especial foi quando Lorde disse que o Brasil teve dois grandes momentos na última semana: as eleições presidenciais e “Bravado”, sua música do EP The Love Club (2013) ter ficado em primeiro lugar de vendas no iTunes Brasil. Em agradecimento, Lorde cantou essa música pela primeira vez desde 2018.
Tantos outros discursos e músicas emocionaram o público, como foi o caso de “Ribs” e Liability”. Além disso, o fim do show promove a pura catarse do público ao emendar “Supercut”, “Green Light” e “Perfect Places”, grandes faixas do Melodrama. Apesar disso, as faixais do Solar Power funcionaram muito bem ao vivo. A abertura crescente de “The Path” fez com que o show já começasse lá em cima. O encerramento com a faixa título de seu último álbum, com direito a papel picado amarelo, trouxe outro grande momento para o show e uma certeza: Lorde sempre consegue se superar e fazer um show melhor que de sua última vinda.
Diferentemente de Lorde, Caroline Polachek apresentou um show um pouco mais enxuto, sem cenário e com duas pessoas em sua banda. Felizmente isso não fez diferença alguma, já que ponto forte de Caroline é sua voz e como ela consegue fazer parecer seu canto algo saído diretamente do autotune. Arriscando-se no português e na sua dança singular, a cantora lotou a pista e as duas arquibancadas de frente para o Palco Elo e colocou todos para cantar seus maiores sucessos, “Bunny Is a Rider” e “So Hot You’re Hurting My Feelings”.
Um festival épico merecia um encerramento épico. E missão dada foi missão cumprida para Charli XCX. Em versão mais enxuta de seu show, sem parte do cenário e seus dançarinos, Charli não deixou nada a desejar. Ela inclusive mudou sua setlist de costume em festivais, adicionando “Track 10”, a pedido de fãs, e “I Got It”, um de seus feats. com Pabllo Vittar. Para isso, ela cortou boa parte das músicas de seu último álbum, Crash, mas deixou as principais: “Lightning”, “Beg For You”, “Constant Repeat” e “Good Ones”, responsável pelo encerramento com a energia lá em cima.
Depois desses 2 dias (ou 7, se você compareceu aos shows do Primavera na Cidade), dá para perceber que o Primavera Sound é um festival feito por pessoas que frequentam tantos outros festivais. Desde a curadoria imaculada até o cuidado ter banheiros bons e suficientes, não ter fila para comprar comidas e bebidas como se vê em outros festivas, o Primavera Sound já virou um dos nossos queridinhos. Vida longa ao Primavera Sound São Paulo!
Texto por: Gustavo Campanili
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