Ghost mostra grandiosidade em segundo show da "Re-Imperatour" em São Paulo


Foto: Rafael Strabelli/ Move Concerts Brasil

Desde que o Ghost veio pela, até então, última vez ao Brasil - em 2017, no Maximus Festival - dá para dizer que muita coisa mudou. Não só conceitualmente, já que, agora, o vocalista Tobias Forge incorpora a persona Papa Emeritus IV, mas também porque a banda passou por um estouro no TikTok, que, por consequência, trouxe um novo público mais jovem.

O sucesso presente nas redes sociais foi transportado para o Espaço Unimed, em São Paulo, nesta quinta-feira (21), onde o grupo fez o segundo e último show da "Re-Imperatour" na capital paulista. Numa casa cheia para 8 mil pessoas, o Ghost conseguiu exibir tanta grandiosidade, força e poder que a energia parecia a de um estádio lotado.

Por problemas logísticos relacionados ao palco da atração principal - cujo equipamento ficou preso no México -, o Crypta não pôde fazer o show de abertura da primeira data, na quarta-feira (20). Mas, na quinta, elas finalmente mostraram o  seu talento ao público. "A gente tá aqui pra tocar death metal para vocês essa noite", prometeu e cumpriu a vocalista e baixista Fernanda Lira.

A performance foi a primeira da turnê "Shades of Sorrow", em divulgação ao disco de mesmo nome. No palco, velas ficaram posicionadas perto da bateria, enquanto as integrantes carregavam em seus instrumentos e no pedestal do microfone - de espadas - panos vermelhos. "Lord of Ruins", "The Outsider" e "From The Ashes" (com maior resposta do público) fizeram parte do setlist.

Como de praxe, a expressiva líder do grupo, assim como Tainá Bergamaschi (guitarra), Jéssica di Falchi (guitarra) e Luana Dametto (bateria), entregou potência. A sincronia entre as integrantes até na hora de bater o cabelo, além da performance afiada, maravilharam. Fernanda puxava o público, sempre pedindo mais punhos para o alto, e fez questão de agradecer pela oportunidade: "Noite inesquecível, muito obrigada por receber a gente aqui antes da grandíssima Ghost. Não se esqueçam que a gente tem merchandise, depois do show estaremos por lá para falar com vocês um pouquinho". De fato, ela parecia muito feliz. Tanto é que, após foto tirada com a plateia, deixou o palco dando pulinhos de alegria.

Fantasias de freiras, maquiagens brancas e roupas pretas inundavam o Espaço Unimed. Poucos minutos antes das 21h, quando o Ghost estava programado para entrar, uma grande cortina branca subiu e as caixas de som passaram a tocar música sacra. "Miserere mei, Deus", de Gregorio Allegri, construiu uma atmosfera para o "culto" que vinha a seguir, ao mesmo tempo em que "acalmava" a ansiedade do público - de onde veio um sonoro grito "cadê o papa". Até que, pontualmente, o coro de igreja cessou, dando lugar a "Imperium" e, então, a "Kaisarion", primeira música do setlist.

Tobias Forge (como já mencionado, o Papa Emeritus IV), acompanhado dos mascarados instrumentistas "Nameless Ghouls" (cujas identidades são oficialmente "anônimas", mas acabaram reveladas por meio de uma imagem no ano passado), entrou já "chutando a porta". A banda chegou carregada de atitude, como se de fato estivesse prestes a evangelizar toda uma multidão. Não é à toa que em "Rats", música seguinte, cervejas e águas acabaram voando tamanha agitação.

Do início ao fim, o Papa tinha o público em suas mãos. Pronunciou caracteristícos "Brasil", "São Paulo", "obrigado", "how are you doing?", "are you having fun?", "are you with us?", "are you doing well?" durante o set, gesticulou de forma performática (com as mãos cobertas por luvas), demonstrou controle vocal e muito bom humor. Por diversas vezes, brincou com os outros integrantes, fazendo caretas, "dando broncas" e pedindo aplausos para eles. Ainda, trocava de figurino constantemente. Terno brilhante azul, terno dourado, batina preta, batina cravejada, terno vermelho e casaco imitando asas de morcego foram só algumas das peças de roupa utilizadas.

Para além da figura principal, vale destacar o desempenho do resto dos integrantes. Apelidados de Dewdrop/Sodo (guitarra principal), Rain (baixo), Mountain (bateria), Phantom (guitarra rítimica), Cirrus (teclado), Swiss (multi-instrumentista) e Sunshine (pandeiro), mesmo com os rostos totalmente cobertos, esbanjaram carisma, apontando para os fãs, mandando beijos e clamando por barulho, além de protagonizarem uma divertida batalha pós "Ritual". Os músicos "seguraram a peteca" em todos os momentos, até mesmo nas pausas instrumentais. Parte da magnitude e peso presenciados nessa noite veio deles.

Outro ponto de destaque residiu na estrutura apresentada, semelhante à internacional. Todo o palco do Espaço Unimed acabou reformulado para a ocasião, ficando mais próximo de um formato circular, com extensões altas de ambos os lados, juntamente de uma cenografia imitando colunas, catedrais e vitrais ao fundo, uma espécie de escada com plataforma para a bateria e iluminação posicionada de forma cruzada, diferente da convencional. O conjunto impressionou e trouxe imponência. Quando o Papa subia para perto do batera, ficando no alto, portava ainda mais controle, ainda mais suntuosidade. Foi impossível, por exemplo, não ficar arrepiado em "From the Pinnacle to the Pit" (substituída por "Faith" na noite anterior).

"Cirice", "Absolution" (com um mar de mãos levantadas), "He Is" (marcada por maior emoção da plateia por ser "mais lenta" e também por disputa pelos copos de água distribuídos na grade), "Call Me Little Sunshine", "Mummy Dust" (com confetes e dólares temáticos), "Watcher in The Sky", "Miasma" (com o personagem Papa Nihil entrando no palco num caixão de vidro e tocando saxofone) e "Year Zero" integraram o repertório da noite. No caso dessa última, o público juntou-se e ligou as lanternas dos celulares, tornando a execução ainda mais bonita.

Claro que "Mary On A Cross", música mais popular nas plataformas de streaming, também fez parte da festa. Após o fim da performance, o Papa comandou uma brincadeirinha, cantando acapella o início do refrão e deixando que o público terminasse - dizendo em tom divertido depois que era para apenas repetir o "Mary" e não "On A Cross".

Entrando no fim do setlist regular, antes do bis, Tobias decidiu falar um pouco mais com a plateia. Entre "yeah" e "sim" proferidos, elogiou a Crypta e as bandas brasileiras como um todo, refletiu sobre o conceito de diversão e destacou que, para nossa tristeza, não haveria "Twenties" (faixa do álbum Impera inspirada no Brasil e tocada recentemente ao vivo pela primeira vez nos Estados Unidos) apesar dos constantes pedidos:

"Vocês estão se divertindo? Se divertir é um bom sentimento. Está um pouco quente, mas está acabando. É um bom sentimento, não é? Vocês não gostam dos fins? Tentem imaginar como se estivéssemos transando. Quando chega no fim é uma boa coisa. Tentem pensar assim. É muito melhor se vocês dizem 'estou feliz por estar me divertindo' em vez de 'a diversão está quase acabada'. Temos mais uma música. E não, não tocaremos 'Twenties'. Mas antes, gostaria de mencionar todo mundo que trabalha na casa de shows e todo mundo que está com a gente que garantiu que vocês tivessem uma boa noite e também a outra banda que tocou hoje, atração especial brasileira, Crypta. É uma banda muito boa, vocês devem ter orgulho dela. Tem várias boas bandas brasileiras. Agora quero que aplaudam vocês mesmos por estarem aqui essa noite, aproveitarem a vida, se divertirem e aproveitarem o momento. Aproveitem o momento o máximo que conseguirem, sempre. Algumas vezes você se divertirá, outras não, mas todas as vezes que viemos para São Paulo, todas as vezes que viemos para o Brasil, vocês são sempre muito acolhedores, dão tanto apoio e sempre dão risada das minhas piadas, o que signfica muito. Do fundo do meu coração e de todos, muito obrigado, Brasil. "

Por fim, três das canções mais enérgicas compuseram o encore: "Kiss the Go-Goat", "Dance Macabre" (acompanhada da pergunta "vocês estão usando sapatos de dança?" e chuva de papel picado) e, fechando com chave de ouro, "Square Hammer". Também rolaram mais declarações do Papa, dessa vez brincando sobre achar que "não teria mais ninguém" para o bis e prometendo "Twenties" para uma próxima:

"Não terá 'Twenties', realmente sinto muito do fundo do meu coração, mas não podemos tocá-la agora. Mas da próxima vez, eu prometo, vamos tocá-la."

A atmosfera moldada lá no início, beirando religiosidade, perdurou até o final. Com "Sorrow in the Wind", de Emmylou Harris, ao fundo, a banda despediu-se. Muitos beijos mandados, palhetas e baquetas jogadas, papéis de setlist arremessados e bandeiras expostas. Ao lado um do outro, os integrantes se curvaram diante de uma plateia completamente fascinada pelo o que foi visto nas quase duas horas de espetáculo teatral. Como se não bastasse, para a conclusão, Tobias subiu na estrutura posicionada na bateria e, então, deu um último adeus, antes que as luzes se apagassem e sumisse. Considerando o magnetismo criado e a conexão transmitida, era como se sua presença continuasse ali. "Não importa de onde sejam, cada um de vocês, obrigado por estarem aqui nessa noite", disse perto do fim. E que noite!

Ghost - Setlist
  1. Kaisarion
  2. Rats
  3. From the Pinnacle to the Pit
  4. Spillways
  5. Cirice
  6. Absolution
  7. Ritual
  8. Call Me Little Sunshine
  9. Con Clavi Con Dio
  10. Watcher in the Sky
  11. Year Zero
  12. He Is
  13. Miasma
  14. Mary on a Cross
  15. Mummy Dust
  16. Respite on the Spitalfields
  17. Kiss the Go-Goat
  18. Dance Macabre
  19. Square Hammer

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